martes, 27 de septiembre de 2011


MST efetua 3 ocupações novas
clarisse castilhos - Mulheres Rebeldes

Na segunda-feira, 26 de setembro, o MST ocupou 3 latifúndios no Rio Grande do Sul - Viamão, Sananduva e Vacaria. Nós, mulheres rebeldes, manifestamos nosso apoio irrestrito a essas ocupações, única forma legítima para fazer avançar a Reforma Agrária no Brasil e garantir o assentamento de 1000 famílias no Estado.
Nosso apoio tem por base uma realidade econômica e social que requer uma ação imediata e sobre isso queremos tecer nossos comentários.


OKUPAR E RESISTIR – TODO O NOSSO APOIO À LUTA DO MST!
Os atuais limites do capital induziram a uma dinâmica de acumulação ainda mais predatória do que em outras etapas do capitalismo. Na busca de novos espaços para expansão dos investimentos, os capitais ditos produtivos se orientam para a aquisição de reservas aqüíferas, minerais e combustíveis. Dessa forma, um dos aspectos relevantes do capitalismo do século XXI é que o próprio capital produtivo assume, cada vez mais, um caráter puramente especulativo. De outra parte, empreende-se uma destruição material, ambiental e humana sem precedentes, fruto das invasões imperialistas lideradas pelos EUA, das guerras internas incentivadas pelas grandes potências e por outros desdobramentos típicos da barbárie. A destruição ambiental em si mesma, as grandes catástrofes e as guerras ampliam as possibilidades de investimento para as grandes empreiteiras, para os serviços de turismo, e obviamente para as indústrias criadas para esses fins (medicamentos, serviços de socorro, etc).
Emerge daí uma nova Divisão Internacional do Trabalho em que a América do Sul e Central participam como produtores especializados em commodities minerais e agroindustriais, apresentando características do antigo modelo agroexportador. Uma repetição que se realiza em forma de tragédia uma vez que a destruição ambiental daí decorrente age sobre uma natureza já degradada.
No Brasil a disponibilidade de terras, águas e minerais, tornou-se um dos principais atrativos para novos investimentos externos que se orientam fundamentalmente para o agronegócio e para a extração mineral, seja através da aquisição e/ou invasão de terras (grilagem), seja através da associação com o latifúndio já estabelecido.
O Brasil vem afirmando há pelo menos três décadas uma nova inserção internacional, baseada na exportação de commodities, particularmente produtos da extração mineral, agronegócios e insumos de origem mineral.  Essa tendência confirma a afirmação de que a chamada especialização regressiva é totalmente submetida ao movimento internacional e não o resultado de políticas econômicas exitosas, como os governos vem afirmando....
Nesse domínio o quadro que se define é o de ocupação extensiva de terras, avançando sobre matas nativas e florestas, e no plantio de culturas voltadas para a exportação, e não mais para a produção de alimentos. Essa expansão é fruto das associações dos latifundiários com as multinacionais do agronegócio que não hesitam em invadir áreas de preservação ambiental, de propriedade do Estado ou destinadas originalmente à reforma agrária[1].  É também nesse contexto que se explica a tentativa de mudar a liberação da venda de terras para estrangeiros (não apenas no Brasil, mas em outros países da América do Sul).
Outro elemento importante dos investimentos brasileiros, e estrangeiros orientados ao Brasil, refere-se à compra de reservas de água[2], e da mudança no Código Florestal Brasileiro. Todos esses fatores confirmam a hipótese de submissão do governo brasileiro aos desígnios dos investimentos do exterior.

De fato, a invasão de todo o Brasil pelas monoculturas produzida pelo agronegócio representa uma sérissima e concreta ameaça para o projeto de reforma agrária liderado pelo MST.
Nos perguntamos: quais as repercussões dessa associação nefasta entre o grande capital internacional com o latifúndio, apoiados na omissão dos governos sobre os assentamentos do MST?
 Afirmamos que a decisão, não explicita, mas efetiva, do governo brasileiro em não distribuir mais terras para a Reforma Agrária, está associada e submetida à movimentação dos grandes grupos internacionais. Essa nova forma de crescimento, além de seus efeitos nefastos sobre o meio ambiente e sobre o tecido produtivo, ameaça de maneira crescente os assentamentos do MST com prováveis efeitos sobre a produção de alimentos e sobre a desorganização das milhares de famílias de assentadxs. Nessa medida, estamos convencidas de que o agronegócio é incompatível com o tipo de reforma agrária proposta pelo MST, centrada no desenvolvimento da agricultura orgânica, no trabalho coletivo, na preservação ambiental e na ocupação de terras de multinacionais e latifúndios improdutivos[3].
O chamado agronegócio, defendido pelo governo e pela mídia do Brasil, é difundido como um empreendimento moderno e progressista diferenciado do latifúndio. Este último caracterizado pelo trabalho irregular, escravo e semi-escravo e pela baixa produtividade. No entanto, como observa Cristhiane Campos (2009) e Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2011), há uma associação perversa entre latifúndio nacional e agronegócio internacional em que a baixa produtividade e o trabalho escravo continuam ocorrendo e se intensificando.
O agronegócio na verdade é articulação de capitais, que direta e indiretamente são vinculados com o setor agropecuário. No Brasil, essa articulação capitalista se consolida na década de 1990, quando foram implementadas no país as políticas neoliberais. Apesar de reunir capitais nacionais e estrangeiros as “modernas” atividades do agronegócio se desenvolvem sobre uma antiga estrutura fundiária, o latifúndio (C. Campos, 2009).
Atualmente, a ação do governo brasileiro expressa seu apoio irrestrito aos Grandes Grupos Internacionais através de programas como o PAC que conta com recursos do BNDES. Esses programas, além de criarem a infraestrutura para a expansão do agronegócio e da extração mineral no Brasil, em particular no Nordeste e na Amazônia, promovem a destruição ambiental e a marginalização das populações ribeirinhas.
Uma pergunta se coloca: por que a Reforma Agrária não pode prosseguir como forma de compensar essa nova tendência e reduzir as tensões sociais?
Na nossa opinião por duas razões: 
- não há interesse do governo petista em promover a reforma agrária porque a radicalização do MST traz ameaças ao “capitalismo” brasileiro;
- o agronegócio precisa expandir sua atividade para dentro dos assentamentos existentes sem, no entanto, eliminar a pequena propriedade rural.
Efetivamente o governo não deseja a expansão da Reforma Agrária, pelo menos sob liderança do MST. Desde o primeiro governo Lula diminuíram as desapropriações e os assentamentos, aumentou a violência no campo e aumentou a concentração de terras (CPT- Comissão Pastoral da Terra). Mais recentemente, durante o governo Dilma foram implantadas uma série de medidas para diminuir a pobreza no campo (distribuição de sementes, aumento do crédito para pequena propriedade, bolsa família para os desempregados rurais, mas não se menciona mais a reforma agrária).
O censo Agropecuário do IBGE constatou que a concentração da terra aumentando no Brasil enquanto que o crédito destinado a assentamentos e à obtenção de terras para a Reforma Agrária vem decrescendo. Cerca de 1% dos proprietários concentram quase 50% das terras (C. Campos,2009).
Quanto ao segundo ponto é importante afirmar que o governo pretende acabar com o processo de reforma agrária, conduzido pelo MST, mas não com a pequena propriedade isolada. Isso porque a pequena propriedade traz inúmeras vantagens ao latifúndio. É através dela que os grandes proprietários tem acesso ao crédito agrícola diferenciado, à flexibilização do controle do desmatamento e à compra de terra por estrangeiros. Se dentro dos assentamentos do MST o arrendamento de terras é interditado aos assentados, as pequenas propriedades podem agir autonomamente e dentro do espírito do grande proprietário rural. Sabe-se de inúmeras irregularidades cometidas nesse contexto, os fazendeiros vendem suas terras aos empregados que em troca acessam ao crédito e plantam sem respeitar o Código florestal.
Para concluir é importante colocar que a Reforma Agrária proposta pelo MST implica uma nova forma de organização política e social incompatível com o capital. Isso porque supõe transformações que não se restringem à produção agrícola, mas também um compromisso com a agricultura voltada para produtos orgânicos e acessível a todxs, no campo e na cidade. Ou seja, uma agricultura não destrutiva da natureza fundamentada em relações de trabalho igualitárias e não-alienadas, lógica que por si seria incompatível com a ordem capitalista. Aceitar um caminho intermediário como o apregoado pelo governo brasileiro seria jogar por terra toda a construção de 27 anos do MST.

BENETTI, Maria (2011)- Compromisso com o futuro: o Brasil e o destino de seus  recursos naturais, Porto Alegre, Brasil, Carta de Conjuntura, Ano 20, no 7;
MST (2) - http://www.mst.org.br/jornal/313 (último acesso, 10.08.2011)
SOARES CAMPOS, Christiane Senhorinha Soares (2009)- A pobreza e exclusão feminina nos territórios do agronegócio, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geociências. Programa de Pós-Graduação em Geografia, UFRGS.               
UMBELINO DE OLIVEIRA, Ariovaldo (2011)- entrevista in http://mtsocioambiental.blogspot.com/2011/03/entrevista-com-ariovaldo-umbelino-de.html (último acesso, 10.08.2011).


[1] É o caso da ocupação da Cutrale em São Paulo. O MST luta desde 1995 pela retomada de terras compradas de grileiros pela empresa Cutrale, vinculada à Coca-Cola. Essas terras na realidade são de propriedade do Estado. Em 2009 o movimento realizou um protesto nessas área através de uma ocupação “ satanizada por todos os meios de comunicação”. Essa fazenda produz laranjas para exportação destinada a elaboração de sucos. Trata-se de produção em grande escala de commodities agrícolas numa área destinada pelo INCRA ao MST. Além do uso ilegal das terras, a Cutrale  utiliza “em larga escala, sem o devido controle, toda espécie de venenos, pesticidas e agrotóxicos, causando poluição das águas, rios, e especialmente poluindo o lençol freático que abastece o Aqüífero Guarani.”  (MST:  http://www.mst.org.br/Campanha-pela-retomada-das-terras-da-Cutrale )

[2] Conforme Benetti (2011), a chamada exportação de água é outro fenômeno que deveria ser levado em consideração e que não aparece, em sua verdadeira dimensão, nas estatísticas. Trata-se da produção de commodities que consomem, para sua extração, um volume de água considerável o que intensifica o investimento no Brasil, e na América do Sul em geral, de atividades que possuem um elevado consumo desse líquido para sua elaboração. É uma forma de poupar água em alguns países e utilizar, até o esgotamento, a dos países ricos em reservas hídricas, como é o caso do Brasil e dos países andinos.

[3] A esse respeito ver resoluções do V Congresso do MST ocorrido em 2007.

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