MST efetua 3 ocupações novas
clarisse castilhos - Mulheres Rebeldes
Na segunda-feira, 26 de setembro, o MST
ocupou 3 latifúndios no Rio Grande do Sul - Viamão, Sananduva e Vacaria. Nós, mulheres
rebeldes, manifestamos nosso apoio irrestrito a essas ocupações, única
forma legítima para fazer avançar a Reforma Agrária no Brasil e garantir o
assentamento de 1000 famílias no Estado.
Nosso apoio tem por base uma realidade
econômica e social que requer uma ação imediata e sobre isso queremos tecer
nossos comentários.
Os atuais
limites do capital induziram a uma dinâmica de acumulação ainda mais predatória
do que em outras etapas do capitalismo. Na busca de novos espaços para expansão
dos investimentos, os capitais ditos produtivos se orientam para a aquisição de reservas aqüíferas, minerais e combustíveis. Dessa
forma, um dos aspectos relevantes do capitalismo do século XXI é que o próprio
capital produtivo assume, cada vez mais, um caráter puramente especulativo. De
outra parte, empreende-se uma destruição material, ambiental e humana sem
precedentes, fruto das invasões imperialistas lideradas pelos EUA, das guerras
internas incentivadas pelas grandes potências e por outros desdobramentos
típicos da barbárie. A destruição ambiental em si mesma, as grandes catástrofes
e as guerras ampliam as possibilidades de investimento para as grandes
empreiteiras, para os serviços de turismo, e obviamente para as indústrias
criadas para esses fins (medicamentos, serviços de socorro, etc).
Emerge daí
uma nova Divisão Internacional do Trabalho em que a América do Sul e Central participam
como produtores especializados em commodities
minerais e agroindustriais, apresentando características do antigo modelo
agroexportador. Uma repetição que se realiza em forma de tragédia uma vez que a
destruição ambiental daí decorrente age sobre uma natureza já degradada.
No Brasil a
disponibilidade de terras, águas e minerais, tornou-se um dos principais
atrativos para novos investimentos externos que se orientam fundamentalmente para
o agronegócio e para a extração mineral,
seja através da aquisição e/ou invasão de terras (grilagem), seja
através da associação com o latifúndio já estabelecido.
O Brasil vem afirmando há pelo menos três
décadas uma nova inserção internacional, baseada na
exportação de commodities,
particularmente produtos da extração mineral, agronegócios e insumos de origem
mineral. Essa tendência confirma a
afirmação de que a chamada especialização
regressiva é totalmente submetida ao movimento internacional e não o
resultado de políticas econômicas exitosas, como os governos vem afirmando....
Nesse domínio o quadro que se define é o de ocupação extensiva de
terras, avançando sobre matas nativas e florestas, e no plantio de culturas
voltadas para a exportação, e não mais para a produção de alimentos. Essa
expansão é fruto das associações dos latifundiários com as multinacionais do
agronegócio que não hesitam em invadir áreas de preservação ambiental, de
propriedade do Estado ou destinadas originalmente à reforma agrária[1].
É também nesse contexto que se explica a
tentativa de mudar a liberação da venda de terras para estrangeiros (não apenas
no Brasil, mas em outros países da América do Sul).
Outro
elemento importante dos investimentos brasileiros, e estrangeiros orientados ao
Brasil, refere-se à compra de reservas de água[2],
e da mudança no Código Florestal Brasileiro. Todos esses fatores confirmam a
hipótese de submissão do governo brasileiro aos desígnios dos investimentos do
exterior.
De fato, a invasão de todo o Brasil
pelas monoculturas produzida pelo agronegócio representa uma sérissima e
concreta ameaça para o projeto de reforma agrária liderado pelo MST.
Nos perguntamos: quais as
repercussões dessa associação nefasta entre o grande capital internacional com
o latifúndio, apoiados na omissão dos governos sobre os assentamentos do MST?
Afirmamos que a decisão, não explicita, mas
efetiva, do governo brasileiro em não distribuir mais terras para a Reforma
Agrária, está associada e submetida à movimentação dos grandes grupos
internacionais. Essa nova forma de crescimento, além de seus efeitos nefastos
sobre o meio ambiente e sobre o tecido produtivo, ameaça de maneira crescente
os assentamentos do MST com prováveis efeitos sobre a produção de alimentos e
sobre a desorganização das milhares de famílias de assentadxs. Nessa medida,
estamos convencidas de que o agronegócio
é incompatível com o tipo de reforma agrária proposta pelo MST, centrada no
desenvolvimento da agricultura orgânica, no trabalho coletivo, na preservação
ambiental e na ocupação de terras de multinacionais e latifúndios improdutivos[3].
O chamado
agronegócio, defendido pelo governo e pela mídia do Brasil, é difundido como um
empreendimento moderno e progressista diferenciado do latifúndio. Este último
caracterizado pelo trabalho irregular, escravo e semi-escravo e pela baixa
produtividade. No entanto, como observa Cristhiane Campos (2009) e Ariovaldo Umbelino
de Oliveira (2011), há uma associação perversa entre latifúndio nacional e
agronegócio internacional em que a baixa produtividade e o trabalho escravo
continuam ocorrendo e se intensificando.
O agronegócio na verdade é articulação de capitais, que direta e
indiretamente são vinculados com o setor agropecuário. No Brasil, essa articulação capitalista se
consolida na década de 1990, quando foram implementadas no país as políticas
neoliberais. Apesar de reunir capitais nacionais e estrangeiros as “modernas” atividades do agronegócio se desenvolvem sobre uma antiga
estrutura fundiária, o latifúndio (C.
Campos, 2009).
Atualmente,
a ação do governo brasileiro expressa seu apoio irrestrito aos Grandes Grupos
Internacionais através de programas como o PAC que conta com recursos do BNDES.
Esses programas, além de criarem a infraestrutura para a expansão do
agronegócio e da extração mineral no Brasil, em particular no Nordeste e na
Amazônia, promovem a destruição ambiental e a marginalização das populações
ribeirinhas.
Uma pergunta se
coloca: por que a Reforma Agrária não pode prosseguir como forma de compensar
essa nova tendência e reduzir as tensões sociais?
Na nossa opinião por duas razões:
- não há interesse do governo petista em promover a reforma agrária
porque a radicalização do MST traz ameaças ao “capitalismo” brasileiro;
- o agronegócio precisa expandir sua atividade para dentro dos
assentamentos existentes sem, no entanto, eliminar a pequena propriedade rural.
Efetivamente o governo não deseja a expansão da Reforma Agrária, pelo menos sob
liderança do MST. Desde o primeiro governo Lula diminuíram as
desapropriações e os assentamentos, aumentou a violência no campo e aumentou a
concentração de terras (CPT- Comissão Pastoral da Terra). Mais recentemente, durante
o governo Dilma foram implantadas uma série de medidas para diminuir a pobreza
no campo (distribuição de sementes, aumento do crédito para pequena
propriedade, bolsa família para os desempregados rurais, mas não se menciona
mais a reforma agrária).
O censo Agropecuário do IBGE constatou
que a concentração da terra aumentando no Brasil enquanto que o crédito
destinado a assentamentos e à obtenção de terras para a Reforma Agrária vem
decrescendo. Cerca de 1% dos proprietários concentram quase 50% das terras (C.
Campos,2009).
Quanto ao segundo ponto é importante
afirmar que o governo pretende acabar
com o processo de reforma agrária, conduzido pelo MST, mas não com a pequena
propriedade isolada. Isso porque a pequena propriedade traz inúmeras
vantagens ao latifúndio. É através dela que os grandes proprietários tem acesso
ao crédito agrícola diferenciado, à flexibilização do controle do desmatamento
e à compra de terra por estrangeiros. Se dentro dos assentamentos do MST o
arrendamento de terras é interditado aos assentados, as pequenas propriedades
podem agir autonomamente e dentro do espírito do grande proprietário rural.
Sabe-se de inúmeras irregularidades cometidas nesse contexto, os fazendeiros
vendem suas terras aos empregados que em troca acessam ao crédito e plantam sem
respeitar o Código florestal.
Para
concluir é importante colocar que a Reforma Agrária proposta pelo MST implica
uma nova forma de organização política e social incompatível com o capital.
Isso porque supõe transformações que não se restringem à produção agrícola, mas
também um compromisso com a agricultura voltada para produtos orgânicos e
acessível a todxs, no campo e na cidade. Ou seja, uma agricultura não
destrutiva da natureza fundamentada em relações de trabalho igualitárias e
não-alienadas, lógica que por si seria incompatível com a ordem capitalista.
Aceitar um caminho intermediário como o apregoado pelo governo brasileiro seria
jogar por terra toda a construção de 27 anos do MST.
BENETTI, Maria (2011)- Compromisso com o futuro: o Brasil e o destino
de seus recursos naturais, Porto
Alegre, Brasil, Carta de Conjuntura, Ano 20, no 7;
MST- http://www.mst.org.br/Campanha-pela-retomada-das-terras-da-Cutrale (último acesso,
10.08.2011)
MST (2) - http://www.mst.org.br/jornal/313 (último acesso, 10.08.2011)
SOARES CAMPOS, Christiane Senhorinha
Soares (2009)- A pobreza e exclusão
feminina nos territórios do agronegócio, tese de doutorado, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geociências. Programa de
Pós-Graduação em Geografia, UFRGS.
UMBELINO DE OLIVEIRA, Ariovaldo (2011)-
entrevista in http://mtsocioambiental.blogspot.com/2011/03/entrevista-com-ariovaldo-umbelino-de.html
(último acesso, 10.08.2011).
[1] É o caso da ocupação da Cutrale em São Paulo. O MST
luta desde 1995 pela retomada de terras compradas de grileiros pela empresa
Cutrale, vinculada à Coca-Cola. Essas terras na realidade são de propriedade do
Estado. Em 2009 o movimento realizou um protesto nessas área através de uma
ocupação “ satanizada por todos os meios de
comunicação”. Essa fazenda produz laranjas para exportação destinada a
elaboração de sucos. Trata-se de produção em grande escala de commodities
agrícolas numa área destinada pelo INCRA ao MST. Além do uso ilegal das terras,
a Cutrale utiliza “em larga escala, sem o devido controle, toda espécie de
venenos, pesticidas e agrotóxicos, causando poluição das águas, rios, e
especialmente poluindo o lençol freático que abastece o Aqüífero Guarani.” (MST: http://www.mst.org.br/Campanha-pela-retomada-das-terras-da-Cutrale )
[2] Conforme Benetti (2011), a chamada exportação
de água é outro fenômeno que deveria ser levado em consideração e que não
aparece, em sua verdadeira dimensão, nas estatísticas. Trata-se da produção de commodities que consomem, para sua
extração, um volume de água considerável o que intensifica o investimento no
Brasil, e na América do Sul em geral, de atividades que possuem um elevado
consumo desse líquido para sua elaboração. É uma forma de poupar água em alguns
países e utilizar, até o esgotamento, a dos países ricos em reservas hídricas,
como é o caso do Brasil e dos países andinos.
[3] A
esse respeito ver resoluções do V Congresso do MST ocorrido em 2007.
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